Uberlândia, novembro de 2019.
Esta carta, escrita a cada ano, espécie de editorial dos Cadernos de Matrícula, neste ano emperrou no meio do caminho, demorando para ser escrita. Não só a correria típica dos finais de ano deve assumir a culpa: difícil escrevê-la neste ponto da caminhada!
Na esfera ampla da sociedade, a marcha de 2019 gerou em mim um silêncio.
Olhar para o mundo inteiro com todos os seus eventos e pensar Educação, de repente, ficou vasto e tremendo demais. Tanto a instituição escola quanto a instituição família agudizaram suas crises de ausência de sentido, ocasionadas por tantas transformações sociais, cujos resultados produzem um déficit de socialização que interfere na construção de valores e ações com um mínimo de perspectiva de resultado tranquilizador.
Além do mais, ao educar crianças, o olhar de quem as educa se volta fortemente para o futuro porque é lá que elas moram. Mas, atualmente, perscrutar a previsão de futuro em busca do mundo onde elas viverão é um exercício desafiador. Como fazê-lo diante das previsões futuristas dos estudiosos e especialistas?
Como associar a produção das atividades internas da Escola de estímulo à relação das nossas crianças com a simples marcha da vida que caracteriza nosso planeta, como a vaquinha e sua filhinha nascida aqui mesmo, com a previsão de produção de carne em laboratório a partir de células para substituir a criação massificada de gado – um antídoto perpetuador de soluções enlatadas?
Como continuar plantando sementinhas na horta e observando as espécies de plantas ao nosso redor para encontrar as características da Vida ali escondidas à espera das crianças e encarar a possibilidade de desaparecimento de milhares de espécies por causa das mudanças climáticas em poucos anos?
Como pensar na enorme sequência dessa lista de resultados da atividade humana que provocará tantos impactos em poucas décadas, ou seja, na idade adulta de nossos pequenos e pequenas sem, ao menos, não ficar por algumas horas emperrada no meio do caminho?
Como situar a Escola e viver minha experiência de professora passando a largo pela polarização política que vivenciamos? E ainda, como não se melancolizar, estando com a existência tão misturada à realidade próxima tão corrompida pelo espetáculo ininterrupto da banalização de tudo aquilo que é verdadeiramente do Bem? Como seguir ensinando neste tempo sombrio a que pertencemos como contemporâneos?
E é mergulhando na consciência dos limites da capacidade de meu conhecimento e da minha solitária insignificância, que me renovo outra vez na utopia segundo a qual a Escola foi e vem sendo gerada – ser um lugar onde capacidades mentais, emocionais e espirituais possam seguir em ação, promovendo e criando inumeráveis sentidos possíveis para a Vida.
E como isso pode se dar numa escola para crianças e pré-adolescentes?
Redescubro minhas forças e sigo respondendo sem novidade: trabalhando para uma maior quantidade de aulas bem fundamentadas, para a exposição das crianças a ações sensíveis para com as dores injustas, através de ações simples de aproximação do outro à nossa volta. Entendendo que à Escola não cabe estar defendendo lado A ou B, mas sim seguir gerando aulas que ampliem o entendimento de como o mundo funciona. Assim, criando ferramentas para que o futuro nela presente tenha elementos para o cultivo da inteligência, seja colaborativo, dialogante e construtor de pensamento autônomo.
Diante disso, renovo as forças para planejar a Escola de 2020. Aqui sigo compartilhando com vocês o nosso antigo, prazeroso e simples lugar na roda da vida.
Ou seja, sabendo que nossa função continuará sendo aprimorar o trabalho de sala de aula; investir mais nas capacitações dos profissionais; ensinar mais e sempre a ler e a escrever; sedimentar o acesso ao mundo digital com ética; construir, reformar e organizar mais os espaços físicos internos, de acordo com as necessidades advindas de nossas práticas; favorecer a experiência das crianças e dos profissionais com a Natureza e com os problemas ambientais e sociais à nossa volta. Fica aqui o meu convite para que vocês sigam sintonizados ao que aconteceu na Escola ao longo de 2019: nossos acertos, nossos equívocos e o que temos feito deles e dos inúmeros conflitos que vivemos e das soluções que fomos criando para cada um deles, inclusive com a participação de muitos de vocês. Estas ações todas nos apontam o 2020, pois seguiremos assim no espaço da nossa vocação! Mais uma vez, tenho a alegria de convocar vocês para a efetivação do tempo de matrícula/rematrícula, desejando a todos um final de ano de descanso e paz.
Também recebam meu carinho e agradecimento pela presença entre nós e ainda meus votos de um novo ano sob a cobertura das bênçãos de Deus. Sempre!
Atenciosamente,
Olga Lara Cardoso
Diretora Geral